Tornei-me leitora
Fui uma criança sozinha. Só, triste e faminta. Minha fome doía o estômago e a alma. Aplacava a dor física com a ajuda alheia que minha mãe amealhava aqui e acolá. Já a dor da alma, logo cedo descobri não apenas o caminho que a amenizava, mas também vários outros e cada um com um destino diferente: paz temporária; alegria ficcional; tristeza profunda; meditação infrutífera; alienação passageira e a enorme e constante ilusão de que a minha realidade era pura ficção. E tudo – absolutamente tudo isso – veio logo após eu ser alfabetizada por minha mãe e começar a ler aos 5 anos de idade.
O meu primeiro livro foi A neta da galinha ruiva de Lúcia Monteiro Casasanta. Muitos anos depois foi que conheci a avó: A galinha ruiva de Esopo. Não faço ideia se minha mãe comprou ou ganhou aquele meu primeiro livro. Mas foi dele que fiz inúmeras cópias e por ele fui alfabetizada e aprendi a ler e, com isso, o mundo se descortinou diante dos meus olhos. Dessa época, lembro-me de muito mais do que as belas ilustrações ou que As mais belas histórias da mesma autora, que eu lia no grupo escolar onde ingressei já lendo, para o encanto de minha professora, Dona Margarida.
Li inúmeros outros pequenos e adoráveis livros infantis aos quais tinha acesso por meio da modesta biblioteca da minha escola. À época, para mim, quaisquer cem livros já eram um mundo inteiro de vidas, histórias, aventuras e muitas, muitas fantasias.
Outro livro que me marcou muito foi a tradução de A ilha do tesouro de Robert Louis Stevenson. Não tinha nenhuma noção ainda do que significava uma tradução ou de como ela é feita e a infinidade de fatores culturais e linguísticos (em geral), que a envolvem e são por ela abarcados. Estava na língua que eu já sabia ler. E eu lia.
Lia Reinações de Narizinho de Monteiro Lobato. Lia Pinocchio de Carlo Collodi (mais uma tradução, desta feita, do italiano ao português). Este último livro tinha sido de minha mãe, que o ganhara da madrinha dela. Tinha dedicatória, inclusive! Lia A fada menina de Lucia Miguel Pereira, livro este que, igualmente, havia sido de minha mãe-menina, que gostava de ler e, por conseguinte, seguia lendo em sua vida adulta e, com isso, mantinha em si e projetava em mim aquela imagem de quadro (pintura) da leitora com o livro aberto em uma das mãos, lendo. Esse quadro, a que faço referência, é o La Liseuse (A Leitora) de Jean-Honoré Frangonard, de 1770. Eu tive o privilégio de ganhar uma reprodução dele como presente de aniversário. Fica em minha biblioteca e me traz muitas recordações. Foi-me dado por uma amiga de longa data.
Então eu descobri cedo a rota de fuga da solidão e do sofrimento, pois quando minha mãe se embriagava, invariavelmente, eu me transformava em sua “caixa de pancadas”. Mas eu percebi – por acaso – que, milagrosamente, se eu estava com um livro aberto nas mãos, minha mãe perenizava e santificava a minha imagem de leitora (em miniatura) e não me espancava.
A leitura tornou-se, então, uma aliada, uma protetora, uma irmã mais velha que me ensinava muitas coisas e também me protegia dos maus-tratos.
O tempo foi-me trazendo livros e mais livros às mãos; por empréstimo de alguma vizinha ou na biblioteca pública, com possibilidades infinitas de fuga da minha triste realidade.
Mas, com o passar dos anos, eu não estava mais só. Minha mãe, agora que eu crescera, parara de fazer a triagem nos livros que eu poderia ler, por serem compatíveis com a minha idade; agora, ela me pedia informações sobre o que eu estava lendo, se gostara (quando eu já havia terminado a leitura)… Nos últimos tempos dela, já com Alzheimer, a mãe passara a ser eu e, ela, a filha, pois agora eu lia pra ela!
A vida laboral já me gerara a possibilidade de adquirir os livros que me aprouvesse. Com tudo isso, tornei-me leitora. E o tornar-se implica em mudança, em metamorfosear palavras alheias em sentimentos lidos, sentidos, o que eu entendo fazer o tempo todo.
Tornei-me uma leitora que ri e também chora; portanto, que se emociona com o que lê. Quantas vezes eu reler o capítulo “Baleia”, de Vidas secas de Graciliano Ramos, quantas irei chorar… Rio e até gargalho; choro de soluçar; penso, argumento ou contra-argumento com quaisquer autores, desde que falem a minha língua. A língua do outro costuma ter segredos impenetráveis…
Tornei-me uma pessoa que alimenta outros sonhos, que apaziguou a fome que já teve um dia; porém, sem abrir mão da leitura, da Literatura.
Moba Nepe Zinid – 22maio2021
Parabéns, Mônica! Maravilhoso! Você é genial! Sabes o quanto admiro seus escritos.
Querido Lair,
você é que é genial. Ou pensa que já me esqueci que foi revisor dos meus escritos tempos atrás?
Agradeço a sua presença neste meu espaço tão especial quanto cada um dos meus leitores!
Abraço virtual repleto de energia boa!
Que lindo texto minha cara Fessorinha. Partilhar as maravilhas e sofrimentos que passou enriqueceu minha história. Descobrir livros em comum como A Ilha do Tesouro, Reinações de Narizinho entre outros torna uma parte de sua infância minha, e vice versa.. Também tive os livros como irmãos, mas por outros motivos.
Querido Felipe,
apenas a diferença etária fez-me sua professora! Você, que também é farmacêutico, sabe bem mais coisas e, certamente, melhor que eu! Fico feliz que as nossas leituras em comum tenham lhe acendido boas lembranças na mente. Os livros são nossos eternos companheiros! Por isso, provavelmente, gosto de cercar-me deles. Obrigada por seu carinho de, passando por aqui, ler e comentar mais esse meu singelo texto. Abraço virtual cheio de boas energias!
Moniquinha, parabéns pelo texto. Emocionei. Adoro o seu jeitinho de escrever.
Querida Adriana Bicalho,
obrigada pela leitura! Que lindo que tenha se emocionado! Obrigada por me incentivar a continuar com os meus escritos! Receba o meu abraço virtual repleto de boas energias!
Muito bonito o relato e a escrita! Forte com você. Admiro muito sua trajetória por esse mundo que compartilhamos.
Querida Camila,
sua sensibilidade e gentileza revelam sua beleza! Obrigada pelo carinho! Também eu a admiro muito! Há uma criança em cada linha, em cada traço que revelamos ao mundo. Receba o meu abraço virtual repleto de boas energias!
A beleza do texto e seu conteúdo profundo aliviam a tristeza da história que você nos conta. Muitas crianças de ontem, de hoje e de amanhã se reconhecerão nessa confissão em forma de prosa poética, que irá tornando-se uma grande psicoterapia de coletiva atemporal. Parabéns, Mônica!
Querido Brice,
gostei muito do trecho “psicoterapia de coletiva atemporal”. Fiquei conhecendo a expressão em tela agora! Fico-lhe muito grata pela leitura, pelas gentis palavras e, principalmente, por dedicar seu precioso tempo para a leitura do meu texto. Nesse contexto em que nos encontramos, qualquer carinho para com o outro é sempre muito bem-vindo! Receba meu abraço virtual repleto de energia positiva!
Minha querida, parabéns pelas sendas da literatura que você vem trilhando como leitora/autora. Amei este trecho: “Mas eu percebi – por acaso – que, milagrosamente, se eu estava com um livro aberto nas mãos, minha mãe perenizava e santificava a minha imagem de leitora (em miniatura) e não me espancava.”.
Poética sua narrativa. Só me permita “discordar” de um detalhe muito importante: suas leituras não eram fuga da dura realidade, mas mergulho nela; porque, lendo, você foi aprendendo a narrar/viver melhor a própria vida.
Beijos eternos.
Querido amigo e poeta Evaldo,
obrigada por sua leitura – extremamente pertinente -, por suas amáveis palavras! Que neste seu aniversário, possa irradiar ainda mais luz para todos nós, amantes da excelente poesia com que você nos brinda! Feliz demais por saber que a leitura trouxe-me e segue me trazendo o privilégio de viver melhor minha vida! Façamos da Literatura e das leituras muitas vidas melhores! Receba o meu abraço virtual de parabéns hoje e sempre! Muitos anos de vida produtiva! Perenizem-se suas obras! Energias positivas sendo emanadas em sua direção!!
Mônica, você é maravilhosa… você trata tudo, a começar pela própria história, com muita realidade. Isso é muito potente! Amei o relato, emocionante e cheio de realidade e poesia. Muito obrigada por essa leitura!
Beijos e bom diaaaa!!! Rsrs
Gosto muito de você!!
Querida Carolina,
obrigada por dedicar o seu escasso tempo para ler o meu texto!
Sou-lhe grata por suas amáveis palavras! Alegro-me que tenha se emocionado!
Sei bem como é isso!… Risos!
Também gosto muito de você, de sua generosidade e alegria contagiantes!
Receba o meu abraço virtual com o envio (juntinho) de muita energia positiva!
Bom diiiiaaaa!!! Risos!!