Passo a passo para (não) ir ao parque
Véspera do feriado do dia das crianças. Organizei-me para ir visitar a mãe de um amigo. Ela está internada num hospital que fica próximo ao Parque Municipal Américo Renné Giannetti. Saí do hospital num horário em que o calor ainda estava incomodando e, tranquila, como estava a pé, atravessei a Alameda Ezequiel Dias e caminhei em direção à portaria do parque, que sei haver ali, bem próxima de onde eu estava.
Pouca gente associa seu nome oficial, dado em homenagem ao Prefeito de Belo Horizonte, que faleceu no ano do término de seu mandato, ou seja, em 1954, ao parque, popularmente conhecido como “Parque Municipal” e sempre o conheci assim. Naquela terça-feira, para a minha surpresa, percebi a portaria fechada. Como eu havia visto apenas o portão de passagem de veículos fechado, imaginei que a passagem de pedestres pudesse estar livre. Ledo engano! Havia, inclusive, daqueles cones de trânsito barrando a passagem, fosse de veículos, fosse de pessoas.
Uma jovem guarda municipal, muito simpática e educada, quando eu me dirigi a ela lhe perguntando se o parque estava fechado e o porquê, respondeu-me cordialmente que apenas para quem tivesse feito o agendamento é que a visitação estava permitida. Ainda tentei argumentar com ela que eu não pretendia “visitar” o parque, que conheço há mais de 50 anos, mas atravessar por ele para chegar à portaria da Avenida Afonso Pena, onde pegaria o ônibus para voltar para minha casa.
A moça explicou-me, ainda, que a passagem pelo parque não estava mais sendo permitida sem a autorização para entrar. Triste e me lembrando fortemente de minha mãe, e de algumas palavras dela em relação a esse mesmo parque, o qual ela amava incondicionalmente (afinal, ela nasceu e cresceu em Belo Horizonte!), segui minha caminhada contornando o parque, olhando nostalgicamente para dentro dele, vazio de pessoas; isento de seu público, um local que deveria ser ou continuar sendo (do) público.
Olhando insistentemente para o interior e para as lindas árvores que me viram crescer ali dentro, balançando nas gangorras, escorregando nos escorregadores, passei em frente ao Palácio das Artes e fiquei pensando o que minha mãe diria em face dessa inusitada situação, caso estivesse ainda conosco materialmente. Decerto ela faria um protesto, relembrando aos esquecidos que não se “tranca” um espaço público ou, então, mesmo com aviso de “entrada gratuita”, não se faz uma seleção pelo poder econômico.
Alguém deve estar se perguntando: “Como assim?”. Simples. Ao chegar em frente à Avenida Álvares Cabral, na portaria da Avenida Afonso Pena, vi algumas poucas pessoas e um “cordão de entrada” feito com proteções metálicas de contenção das pessoas em shows. No portão principal, um aviso com um “QR Code”, informando que bastava direcionar o celular para aquele símbolo tecnológico e realizar a reserva para visitar o (ou passear no) parque. Algumas indicações também estampadas no aviso, como por exemplo, vacinação contra febre amarela em dia. Interessante que esta última é uma exigência para ingresso em alguns países…
Eu não queria fazer nem uma coisa, nem outra: queria apenas atravessá-lo. Apesar de estar com o meu celular, eu me senti cerceada no meu direito de ir e vir por um espaço público que, como tal, deveria estar aberto à minha passagem por ele. Ao mesmo tempo, lembrei-me que o letramento digital é condição imprescindível para que a visitação ou o passeio venham a se realizar. Além disso, os agendamentos, como a palavra já o indica, são para algo que será realizado futuramente; não no instante em que a pessoa está ali, diante da portaria, como era o meu caso.
Foi como “matar a charada”. Eu percebi que, na verdade, o que estava ocorrendo ali era uma barreira ao livre trânsito das pessoas em condição de rua; das pessoas que não têm um celular na mão; daqueles e daquelas que não sabem nem ao menos o que vem a ser um letramento digital. Uma indignação tomou conta de mim e, novamente, a imagem da minha mãe dizendo que se algum dia alguém quisesse “mexer no Parque Municipal” e fazer algo que não permitisse às pessoas usá-lo, ela sairia em protesto pela Avenida Afonso Pena! É, minha mãe, é chegada a hora para esse protesto! Uma pena que você não possa mais fazê-lo e que a população privilegiada da cidade onde eu nasci e cresci, de posse de uma informação com um QR Code, com o celular na mão, direcione a câmera, abra uma janela e faça o seu agendamento. E só isso!…
E quanto aos demais? Aqueles que, iguais a mim, querem apenas atravessar por um espaço aprazível, raridade em um centro urbano fervilhante, em um dia escaldante? E quanto aos menos privilegiados de nossa sociedade que queiram passar o dia inteirinho dentro do parque, deitados em um daqueles inúmeros bancos brancos – agora vazios –, mas têm ficado à margem de mais esse privilégio que a natureza lhes concedeu em área de 180.000m2?
Alguns conservadores, assentados no alto de seus inúmeros privilégios, podem vir a esbravejar comigo, dizendo que só é barrada a escória de nossa cidade, que são usuários de droga, que são pessoas que vão furtar ou roubar de quem estiver passeando dentro do parque, como se não o fizessem fora do espaço do quarteirão formado pela Alameda Ezequiel Dias, Avenida Afonso Pena, Rua da Bahia e Avenida dos Andradas.
O parque passou a ter gradeamento em toda a sua extensão quando eu ainda era criança, conta com guaritas em todas as suas entradas e, por conseguinte, tem plenas condições de ser usado pelos cidadãos e pelas cidadãs de nossa Belo Horizonte!
Eu, dos meus sessenta anos recém-feitos, com a serenidade de quem conhece o Parque Municipal como a palma da mão, digo que a Segurança Pública tem a responsabilidade de zelar pela nossa segurança, e que não é com um impedimento socioeconômico para a entrada no ou mesmo a passagem pelo Parque Municipal, que as coisas irão se resolver.
Triste, neste dia das crianças em que não fui ao parque, sequer saí de casa, porque estava organizada para trabalhar o dia todo, deixo aqui, consternada, meu protesto e minha indignação frente ao que vem sendo feito sob as nossas vistas e, infelizmente, ninguém tem coragem de devolver o parque a todos nós, cidadãos, que estamos perdendo – aos poucos – o nosso direito de ir e vir…
MoBa NePe Zinid – 13out2022
Que texto excelente! Parabéns!
Querido Marinaldo,
obrigada pelo carinho, pela presença virtual.
Abraço repleto de boas energias!
Fico I.M.P.R.E.S.S.I.O.N.A.D.A. na capacidade que seus textos têm de me fazer viajar em tantas memórias….
Querida Flávia,
que maravilha que eu tenha lhe despertado memórias!
As minhas são singelas, mas foram bem vividas.
Fico grata por mais uma leitura sua, com participação/interação neste espaço.
Abraço virtual repleto de boas energias.
Querida professora, tristemente essa é a imagem que está tomando a nossa sociedade (coisas que deveriam continuar sendo públicas estão sendo para alguns). Espero que esse seu texto conscientize e mude esse jeito de pensar que está crescendo em nossa sociedade, para que todos possamos desfrutar desses lugares.
Fiquei emocionado na parte em que a senhora falou da sua mãe; imagino quanta saudade tem dela.
Um abraço muito grande.
Querido Esteban,
é uma alegria ter você como meu leitor neste espaço que, felizmente, ainda é público.
Como você bem o disse, nem todos têm podido desfrutar de tudo que é público, infelizmente.
Sim, eu sinto muita saudade da minha mãe! Até das brigas com ela!… Rs. Pode? Mas o tempo
e a vida corrida amenizam bastante a dor da ausência dela.
Gratidão por seu carinho, por sua disponibilidade em vir ler meu texto e interagir com todos
os leitores!
Abraço repleto de boas energias e vibrações positivas para seu êxito nos exames que virão.
Moba querida, adorei seu texto, ainda que de forma tensa, pois como imaginava ao começá-lo, logo me vi como você: indignada. O pior é pensar que a maioria das pessoas privilegiadas se iludem com essas medidas excludentes e nem param para ponderar minimamente sobre o tipo de sociabilidade que estamos ratificando. Puxado, Moba!! Obrigada por esse momento de indignação acompanhada!!!!
Querida Professora Carolina,
muito obrigada pela sua pertinente leitura!
Gratidão por sentir-se indignada igual a mim e por conferir ao meu texto sua primorosa leitura, mostrando à nossa sociedade que não basta aceitar as coisas pacificamente! Há que se questionar certas (ou seria melhor dizer: incertas) atitudes, pois elas – efetivamente – podem ser muito excludentes. Não podemos continuar em uma sociedade desigual em todos os sentidos e com as forças públicas, que deveriam trabalhar contra isso, fazendo exatamente o contrário!
Desejo-lhe excelente continuidade de semana!
Abraços repletos de boas energias!
Moniquinha, mais um excelente texto. O parque municipal me remete à infância dos meus filhos, pois o frequentei muitas vezes em passeios de final de semana com eles.
Parabéns!
Bjs no coração!
Querida amiga Zila,
obrigada por ser uma leitora assídua deste blog.
Assim como minha mãe me levava, você levava seus filhos, inúmeras outras famílias também frequentavam esse espaço público e de harmonia com a natureza no coração de BH.
Espero conseguir fazer a diferença na mente das pessoas, em relação a certas atitudes, as quais vão sendo tomadas e, subliminarmente, vão excluindo os menos favorecidos de nossa sociedade.
Que tenhamos todos um lindo fim de semana!
Abraço repleto de boas energias para você e sua família!