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Padaria na porta

Tenho o hábito de dormir tarde. Provavelmente, adquirido em decorrência dos quase 30 anos de trabalho noturno. Com isso, gosto de acordar mais tarde, para alcançar pelo menos umas seis horas de sono. Algo como: se me deitei às 3h, vou me levantar às 9h, aproximadamente.

Isso é algo que não tem acontecido com regularidade – exceção feita aos domingos, quando o pedreiro não vem! – devido à atual reforma, já que esses profissionais da área de construção acordam junto com as galinhas e também dormem junto com elas e, por conseguinte, chegam à nossa casa muito cedo: 7h, mesmo vindo de cidade vizinha a Belo Horizonte.

Entretanto, o que eu quero relatar hoje é algo relacionado ao meu precioso sono. Apenas 6 horas que eu durmo já são o suficiente para eu estar satisfeita e bem disposta para o meu dia de trabalho. Isso mesmo! Trabalho! Eu passo o dia todinho trabalhando em várias frentes aqui em casa. Termino uma tarefa e já vou logo começando outra! Vida de aposentada é fogo!

Mas para eu ser bem produtiva ao longo do meu dia – que é bastante longo, diga-se de passagem –, eu preciso estar em paz. E o que consegue tirar a minha paz logo cedo? A buzina do entregador de pão! Ela mesma!

Meu quarto fica na frente da casa e, portanto, é o mais próximo do jardim, que é rente ao passeio, onde o entregador passa bem devagar, descendo a rua e buzinando, já que tanto os vizinhos do lado de cima quanto os do lado de baixo de minha residência são seus clientes.

Esse despertador matinal e antecipado em relação ao meu próprio começou bem antes da pandemia. No início, ele vinha de bicicleta, com aquele tabuleiro enorme e repleto de pães – não sei se tinha algo mais, porque nunca estive de pé cedinho para ser compradora desse gênero alimentício na porta de casa – cobertos por um plástico transparente. Isso eu sei porque via à tarde, normalmente, no horário em que estava molhando as roseiras do jardim. No período vespertino, o entregador fazia (segue fazendo) o segundo turno, mas a buzina dele não me perturbava(perturba) mais, primeiro porque eu já estava (sigo estando…) na lida e, por vezes, nos fundos, na biblioteca, ou então imersa em minhas leituras e desligada do mundo e sua realidade; em segundo lugar, porque os ruídos do horário da tarde faziam (e seguem fazendo…) a dispersão da buzina estridente da “padaria móvel”.

Eu gosto de pessoas que trabalham, que são empreendedoras, que vão em busca de seus sonhos! Inclusive, fiquei feliz pelo entregador de pães quando o vi – pela primeira vez – com a motocicleta, em vez da bike! Mostrava-se muito contente e respondia com um sorriso aos comentários que eu ouvia e que eram feitos pelos meus vizinhos, os quais o elogiavam pela aquisição do veículo motorizado. Acho que o entregador vai engordar em breve, já que terminou com a atividade física que forçosamente fazia diariamente, por duas vezes, em boa extensão da minha região noroeste. E digo região, porque se eventualmente eu saio de carro à tarde, eu o vejo já em outro bairro, na mesma disposição para buzinar de forma estridente, que deve despertar até os mortos do cemitério do Bonfim.

Exagero meu, claro, já que não gosto da bendita buzina. Todavia, essa retomada de um antigo hábito que vivenciei quando criança no Bairro Minas Brasil, traz à minha lembrança boas e também tristes memórias. Naqueles anos 70, em que eu ia ao Grupo Escolar (era assim que se chamava) Desembargador Mário Gonçalves de Matos caminhando pela rua em que eu morava e que desembocava diretamente na pracinha onde está (até hoje!) situada essa escola, havia entregadores nas portas das casas – ainda poucas pelo bairro.

Àquela época, igualmente, eles tocavam uma buzina – mas era a da bicicleta mesmo – avisando que estavam passando na rua. Havia o verdureiro, para o qual eu corria descendo em direção ao portão improvisado, abria a taramela e permitia que ele subisse até a porta do barracão de três cômodos onde, na porta da cozinha, minha mãe o aguardava com as moedinhas para pagar a verdura da vez. Moedinhas mesmo! Era bem baratinho!

Tínhamos também os entregadores de leite diretamente e de porta em porta. Quando minha mãe tinha o dinheiro suficiente para pagar o leite, ela depositava a garrafa de vidro no lugar específico para a troca, deixando o dinheiro sob a garrafa. Mais ou menos no estilo em que é trazido na literatura, na obra Os ratos de Dyonelio Machado. Eram outras épocas!…

Mas, na época atual, em que a minha infância já vai bem distante, não se pode deixar dinheiro sob nenhuma pedra ou garrafa para algum entregador pegar e depositar ali o item comprado; portanto, o entregador de pão buzina insistentemente para que as pessoas saiam do interior de suas aconchegantes casas.

Nas aulas virtuais que alguns de nós passamos a ter desde o advento da pandemia, quando coincide à tarde de o microfone do professor ou do aluno estar aberto quando o entregador está anunciando a sua passagem pela rua correspondente, todos sorriem, pois sabem que o horário é típico do término da aula: 15h30 e, por conseguinte, já começam as despedidas.

Ou mesmo na Rua Alpes, parte de trás da unidade do Cefet I, quando estamos em aula, sabemos que é chegada a hora do intervalo e já podemos lanchar! Há quem corra um pouquinho mais, para alcançar a “padaria na porta” da instituição, voltando com um pãozinho doce que parece muito apetitoso.

Mas… Voltando aqui para a porta da minha casa, fiquei me perguntando por que eu não compro pão nessa “padaria móvel”, já que tenho me levantado por volta de 6h? Atualmente, estou acordada e na lida, quando ouço a buzina irritante e num som alto, muito alto para as 7h, aproximadamente. Não é totalmente a falta de dinheiro, já que não é tão caro comprar uns 2 ou 4 pães, embora nos últimos tempos seja raro se ter dinheiro (em espécie), pois eu, por exemplo, pago com cartão ou por PIX a quase tudo; até mesmo ao carroceiro que leva o entulho da reforma, periodicamente. A desculpa que eu sempre arranjo é que prefiro ir até a padaria, para evitar uma vida sedentária, pois fico boa parte de minhas horas de trabalho assentada em frente ao computador. Porém, sendo bem sincera, acredito que seja mais por birra que eu ainda não tenha me animado a comprar e a experimentar dessa padaria na porta de casa!…

MoBa NePe Zinid – 04 jul. 2024.