Não me venda!
Tenho uma beijoca. Esse é o nome de minha boneca da fabricante Estrela. Ganhei-a de presente de Natal em 1967.
Eu tinha apenas 5 anos quando essa boneca chegou e, como eu era uma criança magra e miudinha, ela praticamente tinha o meu tamanho.
O nome que dei a ela foi Belinha. Mas todos sempre a chamaram de beijoca, palavra que veio estampada na caixa enorme do brinquedo. Não que eu soubesse ler à época. Nada disso! Foi minha mãe quem me contou várias vezes na minha meninice e adolescência.
Eu não conseguia apertar os dois bracinhos da boneca e fazê-la dar o beijo estalado e gostoso que ela sabia dar quando chegou novinha na caixa, na qual permaneceu por muito tempo, pois eu tinha um certo “temor” de brincar com algo quase do meu tamanho, com cabelos loiros (os meus também eram à época), olhos azuis (os meus foram até 1 ano e meio de idade; depois ficaram verdes) e que se fechavam e abriam se ela se deitasse ou ficasse de pé. Seria uma irmãzinha diferente, vinda não sei de onde e ninguém tinha me contado?
As roupas eram mais bonitas e sofisticadas que as que eu tinha para sair a passeio – coisa rara de me acontecer à época -; a calcinha combinava com o vestido e com a golinha do aventalzinho que era posto sobre esse vestidinho, xadrez vermelho, branco e preto, com mangas curtas e fofas, com elástico prendendo pouco abaixo do ombro. As meias branquinhas, os sapatos com solado preto imitando verniz, brancos na parte de cima e com uma tira passando sobre o peito do pé, bem do tipo conhecido por sapatinho de boneca mesmo.
Era uma linda boneca, devo confessar. Mas eu não conseguia carregá-la como eu fazia com a Rosinha, que cabia em minhas mãos e eu podia levantá-la quantas vezes quisesse e sem nenhum esforço. Porém, Rosinha só tinha um tufo de cabelos, não dava beijos estalados em mim, embora sempre os recebesse de mim. Os dedinhos das mãos haviam sido mastigados por minha boca e dentes nervosos, e os do pé seguiam o mesmo destino. Não era mais uma boneca bonita. Acredito que minha mãe a doou – ou a jogou fora; vai-se saber! – naquele mesmo Natal de 1967.
Mas a Belinha, passados 54 anos, não foi doada, nem jogada fora. Por quê? Hoje é considerada uma relíquia, embora já tenha assombrado a estrangeiros desavisados que com ela se depararam dentro de um armário. Está meio estranha mesmo, pois os olhos azuis brilhantes perderam o viço do que é novo e se tornaram embaçados e se mostram despidos da alegria de verem a menina querendo apertar os seus bracinhos gordos para ouvi-la dar o beijo que a nominara. Os cabelos – um pouco cortados pela menina quando teve a oportunidade de manusear uma tesoura – não são fios de nylon com ares de novos, mas desgastados e desbotados pelo tempo. Oportunamente também, o esmalte vermelho da mãe foi usado às ocultas (claro!) para colorir as unhas de mãos e pés gordinhos da boneca.
As roupas ainda existem, seguem vestindo a boneca que parece ter ficado apequenada com o tempo; são aquelas mesmas que acompanharam brinquedo outrora tão vistoso, mas fazem lembrar vestimentas do século passado, em museus que visitamos em cidades conhecidas ou não. São roupas sem vida, sem alegria, perdidas em um passado encardido por mais de meio século transcorrido.
Belinha, se pudesse expressar os seus sentimentos de boneca amada, mas pouco badalada durante a infância perdida lá nos áureos anos daquela que a ganhou, hoje lhe diria: “Não me venda!”.
MoBa – 27jan2022
É gostoso relembrar nossa meninice. Ninguém vai vender ninguém. Vcs são fiéis!
Texto desembolado, bom de ler.
Cara Juliana,
obrigada por interagir de forma tão memorialística comigo!
Sim! Ninguém vai vender ninguém! Bom humanizarmos a minha Belinha! Isso mesmo!
Suas palavras tocaram-me ao dizer que meu texto é “desembolado”. Acho que estou chegando lá. Rs.
Ainda me complico um pouco para dizer (diretamente) aquilo que quero. Mas é também uma questão de praticar, não é mesmo?
Abraço virtual e boas energias,
MoBa
Ooo amiga, que bom que você guarda com tanto zelo essa lembrança da infância.
Eu sonhava com a boneca Amiguinhas, porque na minha pouca idade, achava que poderia passear comigo. Nunca tive, mas tive outras que se fizeram importantes.
Foram tantas idas e vindas na minha vida, que acabei não ficando com nenhuma.
Nem minha coleção de bonequinhas pequenas não tenho, pois dedinhos ágeis e curiosos dos meus filhos fizeram o favor de despacha-las.
Mas o que fica de bom são as lembranças de nossa infância, tão importante que foram para nosso desenvolvimento.
Adorei!
Bjs no coração.
Querida Zila,
obrigada pela leitura e por suas lembranças.
Também muito bom saber dessa fase de sua vida em que eu não a conhecia ainda.
Afinal, fomos nos encontrar e travar esta nossa linda amizade quando você já estava com 19 anos!
Devemos guardar nossas bonecas na memória, no coração. Eventualmente, há quem as tenha fisicamente,
como é o meu caso. Mas atualmente, ela é um brinquedo sem uma criança brincando com ela. Pode ser que
eu a doe um dia desses…
Bjs, amiga!
MoBa
Olá, Mônica.
Lindo texto. Sensibilidade e cheio de cor. Detalhes que me transportaram para o tempo e para os movimentos da narrativa.
Sucesso!
Querido amigo José,
perdoe-me a “tardança” para lhe responder!…
São inúmeras as tarefas e sigo sendo uma e única…
Sou-lhe grata por dedicar o seu precioso tempo lendo minhas ranhuras literárias.
Palavras amáveis e sensíveis são as suas que me chegam de tão distante paragem!
Deus o abençoe e à sua família!
Abraço fraterno e boas energias para este ano que já vai adiantado,
MoBa
Bom Dia Mônica,
O texto lembrou-me dos brinquedos que consegui preservar e hoje estão proporcionando muita diversão ao meu filho.
Abraço Fraterno,
Bernardo Falcão
Oi Bernardo,
que alegria que você reviva os seus momentos de diversão com seus brinquedos, na figura de seu filho!
Embora eu não tenha tido esse mesmo privilégio, acredito que inúmeras pessoas possam passar por ele e se sentirem felizes novamente!
Seria como um retorno (seguro) à infância, aos folguedos!
Obrigada por interagir e relatar esse seu momento importante de vida!
Abraço fraterno e muitas energias boas,
MoBa