Eu conheci
Nem bem começou o mês de julho e eu estava sendo convidada por um amigo a participar de um festival de caldos em conhecido estabelecimento da Savassi.
Não sou muito de sair à noite, mas era bem no comecinho dela e acabei aceitando o convite. Lógico que, tendo ônibus pertinho daqui de casa que me deixaria a apenas dois quarteirões do lugar onde degustaríamos, em companhia de um terceiro amigo em comum, aos famosos caldos, olhei o horário melhor para tomar o veículo coletivo e parti para o ponto de ônibus.
Como esses aplicativos de transporte público ajudam a gente! Nem bem haviam transcorrido dois minutos da minha chegada ali naquele ponto de ônibus mais perto de minha residência e o veículo que me levaria até as proximidades do estabelecimento festivo, parava ao meu sinal de braço esticado e gesticulando suavemente.
O mais engraçado foi que não tinha nenhum outro passageiro: apenas o motorista e eu que acabara de ingressar. Estava sem o cartão BHBus (por uma contigência de empréstimo sem retorno… Conto essa história depois! Risos!) e, portanto, saquei três notas de dois reais (a passagem ainda não havia retornado ao preço anterior de quatro reais e cinquenta centavos!) e entreguei ao motorista/cobrador.
Assim que esse duplo profissional recebeu o pagamento da passagem, em vez de liberar a catraca para eu migrar para a parte posterior do veículo, ele me pediu para eu me assentar na cadeirinha solo que tem logo que se sobe as escadas do ônibus, o que atendi prontamente, pensando com meus botões: “Esse é dos meus! Gosta de conversar!”.
Como eu era a passageira exclusiva e ele, praticamente, um motorista de aplicativo, atendi ao pedido dele que já foi logo me perguntando onde eu desceria. Expliquei e ele, então, pediu-me que descesse pela porta da frente, pois ele havia tido um prejuízo de duas passagens em viagens anteriores e, como tem o acerto com a empresa ao término do turno, ele não queria arcar com o prejuízo.
Acreditando na explicação dele – e quem sou eu para questionar o que vai no coração dos outros, não é mesmo? – continuei assentadinha ali naquela cadeirinha reservada aos idosos (ainda faltam cinco anos para eu ter direito real ao uso dela). Antes mesmo de ingressarmos na Avenida Dom Pedro II, um jovem fez sinal para o mesmo coletivo onde eu me encontrava, entrou, passou o respectivo cartão BHBus e foi para a parte traseira do veículo.
Assim que chegou o sinal da travessia para o subsequente ingresso na citada avenida, o celular do motorista tocou. Assim como também tocam os de motoristas de aplicativos. Ele atendeu e começou a conversar com uma pessoa muito falante do outro lado da ligação. E a prosa seguiu boa e animada. E eu fui ficando agoniada.
Aquele volante enorme e o motorista segurando o celular com a mão esquerda e apenas a direita sustentando as manobras que precisava fazer, como por exemplo, para ingressar na faixa adequada e começar a subir o viaduto de acesso à primeira parada no centro, propriamente, próximo à rodoviária.
Não bastasse, como eu tentava desviar o olhar da situação – até então inusitada para mim – eu comecei a olhar pela janela do meu lado e, com o rabo do olho, percebi um movimento e eis que descubro caminhando na lataria, uma daquelas baratinhas que infestam, normalmente, depósitos. Imediatamente, afastei o ombro da lateral e fiquei observando o inseto e escutando a conversa do motorista com a pessoa que o chamara ao celular.
Finalmente, cessou a chamada e o motorista se dirigiu a mim para confirmar o ponto em que eu desceria. Respondi apenas confirmando o que ele havia dito e não prossegui na prosa. Estava chateada com a postura dele na condução de um veículo de passageiros. E mesmo que não fosse! Não é permitido falar ao celular enquanto se dirige um veículo automotor! Pelos deuses!
Graças a Deus, chegou logo o ponto de minha descida. Pela primeira vez em muitos e muitos anos, desci pela porta da frente do ônibus. Nem me lembro mais da época em que se embarcava pela porta traseira e se descia pela da frente…
Caminhei pelos dois quarteirões, até o local do encontro, com um alívio enorme no coração, porque, felizmente, não havia acontecido nenhum acidente conosco naquele trajeto do meu bairro até a Savassi, embora tenha visto um motociclista caído no asfalto defronte ao Palácio das Artes, sendo socorrido pela intrépida equipe do SAMU, o que levara o trânsito a ficar um pouco mais lento no trecho.
Assim que cheguei (adiantada cinco minutos!), cumprimentei meu amigo e, meio que para provocá-lo, informei que havia ido de ônibus. Fiz isso por saber que ele não concorda com essa minha atitude. Sempre diz que eu tenho condições de chamar um aplicativo e ir com conforto e segurança para onde eu queira ir. Não que ele esteja errado. Mas se é um horário em que usar o transporte coletivo não me cause nenhum transtorno, sempre opto por ele. Ademais, vai que o motorista de aplicativo me avalie mal porque eu sou muito conversada… Risos.
O que sei é que, na mesma tarde e princípio de noite, do início deste mês de julho, eu conheci: um motorista que executa as funções acumuladas de motorista e cobrador e, também, fala ao celular enquanto conduz; uma baratinha que, pelo jeito, não tem dinheiro na caixinha e, talvez, igual a mim, desceria pela porta da frente; e, claro, desfrutei de um festival de caldos divino! Aliás, eu recomendo!
MoBa NePe – 12 de julho de 2023.
Ei amiga,
Você e suas peripécias belohorizontinas. Pelo menos o caldo valeu o perigo hahaha.
Adorei!
Bjs no coração
Querida amiga Zila,
valeu demais da conta! Rs.
Depois você conta por aqui mesmo, neste espaço, como tem conseguido fazer os seus posts, porque várias
pessoas têm relatado para mim dificuldade em fazer a postagem…
Obrigada pela presença constante, pelo carinho e por dividir este espaço comigo e demais leitores!
Abração!