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Então é… já foi o Natal

Meu avô materno faleceu no dia 24-12-1956. Isso deixou marcas indeléveis em minha mãe, a caçulinha de 12 filhos e a queridinha do papai. Porém, eu neta, que sequer cheguei a conhecer esse meu avô, paguei o pato dessa morte em uma data festiva e marcante para uma família de descendentes de portugueses e impregnados pela tradição natalina até aquela data.

Anos depois de ele haver retornado ao plano espiritual, eu nasci. Quando comecei a vivenciar as experiências familiares dessa data, percebi que era momento de choro e tristeza; não de alegria e troca de presentes, como eu testemunhava às vezes, em outros lares.

À medida que eu ia amadurecendo, entendendo um pouco mais do mundo, percebia que havia choro e tristeza também fora de alguns lares; mais precisamente, nas ruas. Passei a entender que havia hipocrisia em algumas atitudes de pessoas que apenas nesse período restrito do ano “se dedicavam ao próximo”, demonstrando solidariedade e compaixão.

Passei a ver com a profundidade da alma as mazelas que ocorrem em alguns lares que, mesmo que haja uma família, não há estrutura familiar, não há amor, apesar de em alguns deles haver alimentos fartos que poderiam alimentar até 5 famílias de moradores de rua.

Comecei a ser alvo de amargura filial de minha mãe que entendia – até quando manteve a lembrança viva do seu passado – ser o Natal uma data de pesares, de perda, de tristeza. Igual a muitas pessoas que passam a vida chorando a partida de seus entes queridos, ela rememorava e (re)sofria; e chorava; e bebia; e transmitia sua imensa tristeza por não ter mais o pai junto a si, ignorando que também eu perdera o meu pai – aos 18 anos – e que desde então, tinha que me virar nos 30…

Por tudo isso, o Natal passou a ser para mim uma data insuportável, cujo alívio era o dia seguinte, mesmo que ainda com os resquícios das brigas e discussões ecoando em meu íntimo. Uma festividade que não trazia prazer e, enquanto na ativa, o meu maior prazer era poder trocar os meus plantões com os meus companheiros de trabalho e passar 24 horas do Natal trabalhando para deixá-los liberados para aproveitarem o dia em família, pois, certamente, a comemoração no lar de cada um deles era algo digno de ser vivenciado.

Foram necessários mais de 50 anos para eu experimentar pela primeira vez o verdadeiro Natal em família. Mas foi em uma família que não era a minha – de sangue – e foi em outro país. Num lugar muito longe daqui e em que as pessoas tratam o Natal como uma entrega de presentes às crianças. Além disso, trata-se de mais um dia na vida dessas pessoas. Lá eu pude me sentir feliz e em paz.

Voltei a ter essa sensação de família neste Natal, quando pude estar com um dos meus irmãos e entre amigos. Apenas rindo, comendo e conversando, lembrando boas lembranças e passando o dia em paz e em harmonia. Mas a minha consciência voltou a me trazer a realidade das muitas famílias que devem ter tido mais um dia sem o que comer; sem paz; sem alegria; com brigas, desarmonia, tristeza, choro…

Mais perdas devem ter sido computadas em alguns lares e choro intimamente por isso e sinto um pesar enorme por não poder fazer algo mais por essas famílias que permanecem destroçadas após as suas perdas. Choro por não poder incutir na mente das pessoas a necessidade de ação solidária constante, cotidianamente. Quem precisa de ajuda, precisa todos os dias; não apenas no Natal. Entristeço a minha alma por não poder levar um sorriso de alegria aos rostinhos de cada criança de todas as partes do mundo, dando a elas o presente sonhado, esperado, seja uma bola ou uma bicicleta…

Porém, deixo aqui uma página de minha vida, delineada com as minhas vivências e experiências, com uma pontinha de alegria porque as coisas ruins podem desaparecer de nossa vida, mesmo que lenta e gradativamente. Deixo uma comprovação de que o dia de ontem já foi e o de hoje é o início de um novo e renovado Natal que pode ser diariamente relembrado e incrementado por nós, seres que se querem e se dizem solidários. Que o sejamos então, nos próximos 365 dias que estão por vir.

Então é… já foi e seguirá sendo: Feliz Natal!

MoBa Nepe Zinid – 26dez2021