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Paciência

Não era sexta-feira 13. Mas era uma sexta-feira, dia em que tenho aula de russo, virtualmente, e logo pela manhã. Nesse dia da semana, em especial, normalmente, deixo para ver, ler e responder às mensagens de WhatsApp depois da aula, já que antes eu cuido da gataiada aqui de casa. Gasto em média uma hora de manhã nesse labor com meus peludinhos.

Foi na sexta-feira imediatamente após o Natal que recebi uma mensagem de áudio, da minha vizinha de baixo, a qual escutei logo após o término de minha aula. No áudio, minha vizinha me informava que o frajolinha que vinha dormindo na varanda de minha casa estava morto bem aqui em frente; mais precisamente, logo na entrada da minha garagem, rente ao meio-fio. Paciência!

Gatos de rua costumam durar pouco; existem, inclusive, estatísticas acerca desse assunto. Sobrou pra mim a retirada do corpinho do gatinho preto e branco que eu passei a chamar de Guizim desde que eu consegui retirar do pescoço dele a coleirinha com um guizo, história que relatei neste mesmo espaço.

Peguei um saco plástico reforçado, de 50 litros, uma caixa de papelão e me dirigi para o passeio público, logo após mandar uma mensagem para o Cemitério dos Animais, em Betim, local onde mantenho um jazigo para morada final dos meus animais.

Assim que vi onde estava o corpinho do Guizim, busquei ensacá-lo, constatando que já estava bem rígido e encharcado pela chuva noturna. Deve ter morrido no período noturno, já que pela manhã, cedinho, quando eu abri a porta da varanda para abastecer a vasilhinha, que ali mantinha para alimentá-lo com a mesma guloseima que dou ao grupo que fica em meu quintal, ele não apareceu correndo para desfrutá-la.

A partir do momento em que dei ciência da necessidade de abertura do jazigo e ensaquei devidamente o corpinho do felino, providenciei minha saída com destino a Betim. Na altura de Contagem, trafegando pela Via Expressa, caminho mais rápido (normalmente!) para ir até o Bairro Bandeirinhas, onde se localiza o cemitério, eu me deparei com uma fila de carros, inclusive carretas, porque é um trecho em que muitas trafegam em direção à BR381. No ponto em que eu me encontrava, havia ainda a opção de migrar à direita, numa bifurcação que corresponde à marginal naquele trecho e, por ela, eu já ingressara em outras oportunidades, indo ao bar do irmão de um amigo meu. Inclusive, foi nesse bar que comemorei, com amigos, meu aniversário em 2022.

Tranquila, pensando se tratar de algo comum, continuei na via, passando da entrada para a marginal. Foi aí que me dei conta da necessidade de ligar o pisca-alerta, pois havia ali, na verdade, um engarrafamento. Tinha apenas uns 20 minutos que eu havia me ausentado de casa. Estava tudo sob controle: fome e vontade de ir ao banheiro. Carreta à frente, carreta à retaguarda, caminhão, ônibus, camionete, outros carros de passeio, tudo ali no meu entorno. Somente motocicletas se moviam naquele momento de música do pen drive que copiei do meu irmão e eu começando a me preocupar com o odor que iniciara a exalar do gatinho morto, cuja caixa de papelão estava no porta-malas. Abro ou não abro as janelas do carro? E se chover forte? Porque a chuva fina já caía. E se houver arrastão? Paciência!

As músicas se sucediam no aparelho do veículo, indicando a passagem das horas. Todo o líquido ingerido naquela manhã começou a fazer seu efeito. A mente é perversa nessas horas! Não tem aonde ir para aliviar a bexiga? E agora? A vontade atormenta ferozmente. Pensei em improvisar um coletor com um dos sacos plásticos que estava do lado de fora da caixa de papelão que transportava o corpinho a ser inumado, conjugando o plástico a uma caixa que continha um par de botinas que carrego sempre no carro. Pensei e fui executar. Desci, fui até o porta-malas, abri; tirei o saco plástico externo da caixa onde jazia Guizim; peguei a caixa que tinha as botinas dentro. Coloquei o plástico forrando esta última. Na minha mochila, peguei a bolsinha na qual carrego sempre papel higiênico e voltei para dentro do carro. Sentei no banco do motorista, coloquei meu coletor improvisado na frente do banco do passageiro ali ao meu lado; saltei para o banco em questão. Um único problema me incomodava: estava de calça jeans e não de saia nesse dia!

Assim que assentei no banco do passageiro e pensei executar a manobra que me permitiria aliviar a tensão da bexiga, o trânsito deu sinal de que algo aconteceria e aconteceu: um ônibus de passageiro passou vagarosamente à lateral direita do meu carro e ficou ali. Impossível realizar qualquer manobra, com meu coletor improvisado, nesse novo contexto, já que meu veículo não tem película nos vidros. Voltei pro banco do motorista e tentei pensar em outras coisas, abstrair aquela vontade que já me trazia lágrimas aos olhos. O odor do corpinho começando a me incomodar, fez eu abrir os vidros do veículo, mesmo com a chuva tendo se encorpado.

Olhei para o ônibus ao meu lado: Novo Horizonte! Pensei imediatamente com meus botões: é intermunicipal! Deve ter banheiro! Foi pensar e sair com a bolsinha de papel higiênico sob a blusa e chegar na lateral da janela do motorista do ônibus e implorar que ele me deixasse usar o banheiro do veículo que ele conduzia. Ele concordou e abriu a porta para eu entrar. Subi, ouvindo o motorista se justificando que estava indo pra garagem e não sabia as condições em que se encontrava o banheiro. Paciência! Do jeito que estivesse, eu usaria.

Eu havia me identificado, explicado que estava no carro vermelho, que estava parado ao lado do ônibus, que levava um gatinho para ser enterrado no cemitério dos animais em Betim e que já estava presa naquele engarrafamento há quase 3 horas e que o odor estava se intensificando no interior do meu veículo. O motorista se compadeceu tanto de mim, que logo depois que eu desci do ônibus, agradecendo muito a ele a gentileza de me deixar usar o banheiro ali, ele veio até a lateral do meu carro e me falou que no canteiro que dividia a pista à direita, em relação à marginal, havia um ponto mais à frente onde eu podia entrar com o meu carro e fugir do engarrafamento. Ele falou que daria ré e me permitiria entrar na frente do ônibus para que eu partisse.

Tão logo ele retornou para o ônibus, no intuito de dar ré no veículo para eu migrar de pista e depois de atravessar o canteiro, ir para a marginal, dois veículos chegaram à retaguarda dele e não houve como ele dar ré no ônibus. O jeito foi continuarmos ali no mesmo lugar por mais algum tempo até que novamente a faixa onde o ônibus estava teve nova movimentação, decorrente dos motoristas que faziam a migração para a marginal, passando pelo canteiro divisor de pistas. Assim que o ônibus teve um deslocamento um pouco mais à frente, o primeiro veículo de passeio, que estava a sua retaguarda, passou para a marginal da forma como o motorista havia me indicado. A kombi, que vinha logo atrás, iniciou o deslocamento para fazer o mesmo. Nesse momento, eu sinalizei, agitando o braço direito pela janela do passageiro, pedindo passagem e o motorista da kombi me permitiu mudar de faixa. Fui para o canteiro visando alcançar a pista da marginal. Cometi uma infração! Paciência! O gatinho precisava ser enterrado naquele dia, o quanto antes.

Apenas consegui alcançar a marginal, que é de mão dupla(!), fiz o que a maioria faz nessas ocasiões: comecei a seguir o fluxo, até um ponto em que eu não tinha mais certeza de estar fazendo o que deveria para chegar em Betim; foi somente nesse momento que eu consultei o GPS no celular. Mas, como já havia muitas horas que estava ausente de casa, o celular apresentava-se com a bateria muito fraca, dando já alerta da necessidade de recarga. Estava sem o cabo para recarregar a bateria e, tampouco, portava meu Power Bank. Paciência! Coloquei no Maps off line, para poupar bateria, mas não conseguia acertar o itinerário. Parei diversas vezes, recalculando rota e aproveitando para perguntar para os moradores que encontrava pelo caminho.

Na quarta parada e, também, quarta consulta, finalmente, cheguei numa rua que, no mapa off line, mostrava que passava a ser a avenida principal que leva a um shopping dentro de Betim, nas imediações de onde minha irmã morou e eu pude então me sentir mais confiante de que conseguiria chegar a tempo no local de destino, que fecha às 17 horas, para enterrar o gatinho Guizim.

Confirmei um pouco mais à frente que estava trafegando, de fato, na avenida cujo nome me é familiar. Todavia, eu ingressei nela na altura do número 12.200 e, com isso, eu não reconhecia absolutamente nada no meu entorno. Comecei a duvidar de estar me dirigindo para Betim; pensei estar retornando a Belo Horizonte. Meu pânico era me deparar novamente com o ponto do engarrafamento gigantesco (como fiquei sabendo posteriormente, pelo noticiário: 6 quilômetros! Tudo isso devido a um grave acidente ocorrido nas primeiras horas da manhã, envolvendo 8 veículos).

Continuei rodando, já pedindo a Deus mais paciência, sobretudo com o meu estômago, que roncava e eu não tinha absolutamente nada para comer em minha mochila. Muitos quilômetros à frente, ainda na mesma avenida que tem um córrego central – e eu pedia para não chover forte e causar transbordamento! – eu vi uma placa sinalizando o tal shopping conhecido e, com isso, tranquilizei o coração. Todavia o nariz agora estava desagradado do odor que se tornara bem forte a essa altura.

Como eu havia informado por mensagem e, inclusive, com o envio de fotografia do engarrafamento, ao pessoal do cemitério, sabia que me aguardariam chegar para completarem o trabalho deles. Por volta de 14 horas e 30 minutos (mais de 4 horas depois de haver saído de casa!) eu consegui chegar ao meu destino e, assim que desci com a caixa de papelão com o corpinho do Guizim, pensei comigo mesma que alguns animais têm o dom de nos acalmar. Como esse gatinho de rua (não era de fato e de direito meu!), que deixou eu me aproximar dele para aliviá-lo do que o asfixiava (isso por ocasião da retirada da coleira com o guizo), eventualmente, deixava eu o afagar, mas preferia me seguir no passeio público como um cachorrinho. Guizim, mesmo depois de morto, transmitiu a mim a sua mensagem: paciência com aquilo que não se pode mudar e a confiança de que, no final, tudo dará certo!

MoBa NePe Zinid – 05 jan. 2025.