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Russo

Desde que minha mãe teve Alzheimer, passei a ler algumas coisas referentes à manutenção do cérebro em bom funcionamento. Uma delas tem a ver com estudar uma língua estrangeira.

Já de algum tempo venho estudando (ou me dedicando a) línguas românicas, tais como o espanhol, o francês e o italiano. Até este ano eu ainda não havia me aventurado a estudar uma língua distante do português. Entretanto, tudo tem a sua hora exata para acontecer na vida da gente, não é mesmo?

Há pouco mais de seis meses, comecei a dialogar com um professor de russo para estrangeiros. Meu inglês é instrumental; portanto, insuficiente para a sustentação de uma conversação rotineira – que seja – com um estrangeiro que desconhece a minha língua materna que, não por coincidência, também é a minha língua de alfabetização: o português. Todavia, descobrimos que ambos temos o italiano – caminhando para o nível intermediário – como um elemento em comum e suficiente para encetarmos uma conversação razoável.

Desde essa descoberta então, passamos a nos comunicar nessa terceira língua. Porém, quem me conhece, sabe que eu não me darei por satisfeita enquanto não conseguir me comunicar bem com esse professor. Foi então que me veio a ideia de aprender o russo.

Em janeiro deste ano, no dia em que fez 44 anos que me tornei órfã de pai, comecei a estudar essa língua distante do português. Ainda não percebi – nesses 3 meses – nenhum progresso no meu cérebro, mas pode ser que daqui a uns 3 anos isso se dê. A minha satisfação é que já posso ler algumas coisas em russo, já sei cumprimentar com o mínimo de palavras, entre outras habilidades que estou adquirindo gradativamente.

Tenho o privilégio de estar estudando com uma russa, formada em letras, que alegou não ter experiência docente, do que discordo, pois ela tem sido uma excelente (e paciente) professora para mim (comigo). Começamos pelo tradicional: o alfabeto.

Ah! O alfabeto cirílico russo é bastante diferente daquilo a que eu estava acostumada. São 33 letras, para as quais eu fui logo buscando os meus processos mnemônicos para poder me recordar dos respectivos sons e entender o que é consoante (são 20), o que é vogal (são 10); além disso, saber que tem uma semivogal (também reconhecida como consoante!), a qual traz superiormente um sinal  “emprestado” do latim; e, não bastasse, duas letrinhas bem parecidas, são modificadoras da consoante que estiver antes delas ou da vogal que lhes seja posterior. Essas duas letrinhas tão parecidas, de fato, têm sido não apenas pedra no meio do caminho, mas pedreira pra mim…

Como eu dizia, para eu buscar memorizar esse novo e diferente alfabeto, fui traçando os meus processos associativos (ou mnemônicos – adoro essa palavra!). Vamos lá: para o “L” de cabeça para baixo, eu visualizo uma bengala, fazendo-me lembrar da letra “gê”; a consoante que se parece com uma letra “K”, junto com sua imagem espelhada, representa um jogo de duplos, lembrando-me, assim, da letra “J”; a letra “H” é consoante que está presente na palavra “nhoc” e, com isso, eu me lembro que é a consoante “n”; já a letra “N” invertida (ou espelhada), é a vogal “i”, que eu tento ver com o meu mineirês: “novim” e logo o “i” me aparece. “P” de pobre ou “não rico”, é a consoante “R” faltando uma haste (“perninha”). 

E quanto ao “R” invertido ou espelhado? Esse é um ditongo: “ia”; uma boa multiplicação: onde vejo um, mas surgem dois, o que é de enorme relevância para nós, analistas do discurso, já que essa letra representa o pronome reto: “eu” e, encontrar esse “eu” desdobrado ou desdobrável é o máximo, na minha opinião. O que para mim se parece muito com o número 3, é a letra “Z”; e, se penso bem, dependendo da letra de quem escreve essa consoante, vai ser mesmo semelhante ao número em questão.

Independente da consoante ou da vogal, o que importa é que já estou lendo com mais segurança agora, nesses 3 meses de aprendizado bem conduzido e bastante consciente, sobretudo de minhas limitações. Aliás, o dia em que eu aprender a falar em russo: “Meu nome é Mônica, sou brasileira e professora de português para estrangeiros”, e a escrever a partir de um ditado, sem titubear, eu mesma já posso me dar o certificado de nível intermediário! Rs.  

A fase atual em que me encontro nesse aprendizado desafiador está relacionada aos graus de parentesco. O interessante é que quando eu era adolescente, eu fazia uma confusão daquelas para distinguir um parente de outro; concunhado para mim é algo estranho até hoje; sogra é complicado também, porque é necessário explicar de quem é a sogra: se da esposa ou do marido. Já em russo, esta situação se resolve perfeitamente, pois são palavras distintas, felizmente! 

Outro aspecto de enorme relevância é eu me dar conta da interferência da cultura na hora em que a professora vai trazer algo novo para mim. Por exemplo, a própria imagem para serem colocadas as palavras referentes aos graus de parentesco, para a qual nós, professores de língua estrangeira, frequentemente usamos a árvore. Entretanto, mesmo que façamos de forma similar, quanto à base, a apresentação traz aspectos culturais distintos e de relevância. Eu, por exemplo, quando ensino isso em português aos estudantes estrangeiros de nível básico, faço a distinção entre ascendência e descendência a partir de mim. De quem eu venho ou sou descendente, fica na parte superior àquela onde eu me represento; os meus descendentes (teoricamente, já que não os tive!), ficam abaixo. Portanto, a partir de mim e de meu marido, represento os filhos e os netos, embora não tenhamos chegado a ter; apenas porque didaticamente é relevante que eu os represente. 

Entretanto… Em russo, o limite é até a mim (“ia” = “eu”), onde ficam representadas as várias facetas que eu posso ter ou ser, representar: filha, neta, bisneta, tia, sobrinha etc. Especificamente no meu caso, faz todo sentido, já que não tenho uma descendência. Quem sabe na próxima vez em que eu for ensinar sobre esse tema aos estudantes estrangeiros eu assuma esse aspecto da cultura russa, não é mesmo? Seria a cultura do outro mudando a minha forma de ver a minha própria cultura. Coisas a serem pensadas.

Enfim, o que mais me chama a atenção nesse processo inicial de aprendizado dessa língua, em que os artigos não têm presença, nem relevância, em que a letra que tem correspondência ao som do “f” é o “phi” grego, o qual surge como símbolo na matemática que aprendi anos atrás, onde é denominado “o número de ouro”, é saber que, por mais distante que seja nossa língua de alfabetização daquela que estamos aprendendo, sempre tem o conhecimento prévio ou o fator intrínseco como motivadores para o aprendizado, fazendo com que este último seja mais ágil do que imaginávamos, mais prazeroso do que desejávamos e, claro, extremamente útil para nos aproximar ainda mais das pessoas com as quais nos relacionamos ou ainda nos relacionaremos um dia.

MoBa NePe – 07abril2024